26 de fev. de 2007

Ocupadíssimo

Estarei no Brasil neste início de março. Os preparativos da viagem me deixam demasiadamente ocupado e preocupado. Serei obrigado a viajar de avião, posto que as renas de Klaus ainda não estão em forma. E ainda um dos lemes de seu trenó está em conserto, à espera de um pedaço de pedra provindo da estrela de Belém. Contam-me que no Brasil há uma Belém. Talvez haja um pedaço da pedra lá. Já solicitei a meus amigos uma busca.

O principal ato de minha viagem será a galvanização de um santo brasileiro. O primeiro. Não há muitos santos no Brasil. Será porque são mesmo uns pecadores insubordinados ou porque não têm dinheiro para pagar o processo de galvanização?

Falam-me de um tal "milagre brasileiro", mas nunca mostram seu autor. Quem seria? Outros vêm dizer que Deus é brasileiro. Seria Ele o autor desse milagre? Brasileiro ou não, espero que interfira a meu favor nesta viagem, principalmente em relação ao avião.

21 de fev. de 2007

Momo

Ter amigos brasileiros faz meu período de carnaval um pouco mais animado. Reunimo-nos em Castelgandolfo nestes dias e eles fizeram folia nas quatro noites. Trouxeram instrumentos musicais típicos. Lembro-me dos nomes de alguns: cuíca, um nome curioso, pandeiro, afoxé, surdo. Vieram também algumas mulheres muito animadas, vestindo roupa parca, que dançavam ao som daquela batida ancestral. Durante o dia, os homens, sempre ao som daquele baticum, assavam carnes e bebiam cerveja enquanto conversavam em tom alto sobre futebol e mulheres.

Hoje é quarta-feira de cinzas. Confesso que prefiro o recato e o sossego à algazarra momesca, mas me diverto em ver a alegria ingênua e erótica de meus amigos que vivem abaixo do equador. A mim não causa frisson ver mulheres assim, mostrando seus corpos quase nus. Já tive quantas eu quis e agora, depois de domar a libido e adquirir a liberdade da velhice, posso me dar ao luxo de esnobá-las. Estou ligado nas coisas que não perecem com a mesma facilidade dos músculos glúteos e que não precisam de silicone para se sustentarem.

14 de fev. de 2007

13. O Poder e suas Tentações

A pessoa que ocupa o poder deve ser mais exigente e mais vigilante consigo mesma do que as demais. Porque vivencia situações e ocasiões de tal forma tentadoras que, se ceder um pouco em sua moral, encontrará razões para entregar-se às tentações. E o que são tais tentações? São tudo aquilo que beneficia a ti como indivíduo mas arruína teu poder. São ocasiões que se apresentam em que podes satisfazer desejos pessoais teus, mas que, ao cederes a isso, estarás comprometendo seriamente o exercício de tua vontade de mando. Numa palavra: tentação é tudo aquilo que te desvia da missão primeva do poder, que é manter-se a si mesmo.

São três as tentações mais fortes que irás enfrentar: a primeira é a crença de que és perpétuo, a segunda é o desejo de vingança contra teus desafetos e a terceira é a tua própria vaidade. Para evitar cair na primeira, protege-te da ação dos bajuladores e faze um plano de ação, de modo a vislumbrares tua situação no médio e no longo prazo. Para não deixar o desejo de vingança apoderar-se de ti, o melhor é praticares o calmo pensar para não guardares rancor de quem te ofendeu ou perseguiu; mas, se não alcanças fazê-lo, meu conselho é que realizes logo a vingança para que ela não te atormente por muito tempo. Por fim, para impedires que tua vaidade cresça além da conta e se sobreponha à vontade de mando, minha recomendação é que, de tempos em tempos, troques as vestes palacianas por roupas comuns e caminhes pelas ruas sem te deixares notar. E que permanentemente cultives, com tuas próprias mãos, um jardim ou uma horta em teu quintal, onde pássaros e borboletas e toda sorte de bichinhos venham zoar.

E seja demitido todo aquele que trouxer para ti ocasião de tentação.

11 de fev. de 2007

12. O Poder e a Propaganda

Eis um terreno pedregoso. Deves caminhar com cuidado e atenção redobrada, para que teu pé não se fira profundamente e te obrigue a parar. De qualquer maneira, pequenos ferimentos terás. Porque a propaganda te situa numa encruzilhada entre a verdade que pode munir teus adversários contra ti e a maquiagem que esconde teus defeitos e faz os outros crerem na tua versão. Meu conselho é que prefiras sempre a verdade e que sejas transparente para com a grande população e diante dos adversários. Destarte, que a tua propaganda seja autocrítica: deves reconhecer teus pontos fracos, mostrando que tens consciência sobre a necessidade de melhorar ali e indicando o que pretendes fazer para cumpri-lo; ao mesmo tempo, faze o público saber aquilo que consideras bom, vitorioso e benéfico.

Deves moderar tuas aparições em propagandas. Sabe que a grande população desconfia quando há excesso de exibição em material que se nota que é pago. No entanto, podes te permitir aparecer mais no noticiário, equilibrando enfoques negativos e positivos, mas com leve maioria para estes últimos. Compreende também que, quando aparecem apenas referências positivas a teu respeito, a desconfiança se instala no público. Há um ditado popular muito acertado e com o qual a maioria da população concorda: nem Cristo agradou a todo mundo. Segue-o. Não a Cristo, mas ao ditado!

Por fim, o mais pedregoso: os profissionais de propaganda. Refiro-me aqui não aos criadores, mas aos donos de agências. Muitas vezes, esses dois papéis coincidem. Por isso, deixo claro: falo de tua relação com os donos, não com os criadores. Em geral, são empresários tão vaidosos quanto artistas, advogados e economistas. Se lidas com um ou mais deles, recomendo que aprimores tua capacidade de sedução e guardes a ameaça e a chantagem para as situações extremas. Seduze-os, mas desconfiando, pois sabes que são profissionais que tanto trabalham para ti como para teus adversários. E lembra de colocar cláusula de segredo em todos os contratos que vieres a assinar com eles.

Confesso-te: o ideal é que não precisasses de propaganda.

8 de fev. de 2007

11. O Poderoso e seus Adversários

Trata teus adversários com respeito e com vigor. E com elegância. Jamais demonstres a eles deselegância ou falta de gentileza. Mesmo que alguns deles venham a agir de maneira baixa contra ti, não irás devolver na mesma moeda. Posso compreender, no entanto, que desejes, em algum momento, saborear o prazer da vingança através de um golpe baixo. Não é recomendável que o faças, mas, se é algo que te compraz, deves criar uma situação tal que, se o tal golpe vier a ter conhecimento público, não seja atribuído a ti, mas a algum de teus subordinados. No entanto, o adversário ou desafeto objeto do golpe baixo deve ter certeza plena de que foste tu quem o desferiste. Isto provavelmente custará a cabeça de teu subordinado. Portanto, se fores realmente realizar esta bobagem, escolhe, dentre teus subordinados, aquele que fará menor falta.

Tem sempre em mente que adversários não são inimigos. Por isso, deves manter aberto um canal de diálogo com eles, sabendo, porém que sua disposição inicial é criticar-te com o intuito de te desqualificar. Tu, ao contrário, não faças o mesmo a eles. Absorve as críticas e dá tua resposta em tom propositivo ou irônico, quando o primeiro não for possível. E lembra sempre que, no trato com os adversários, a sedução é melhor que a ameaça, que é pior que a chantagem.

E uma palavra final sobre isso: se sentires que os adversários crescem mais do que previste, trata de minar tal crescimento. Há muitas maneiras de fazê-lo e deves escolher dentre as mais eficazes para o momento. Devo dizer que cooptar alguns adversários sempre produz resultados favoráveis a ti, mas deves fazê-lo com parcimônia.

6 de fev. de 2007

10. O Poderoso e o Fracasso

Não te iludas: terás muitos projetos e empreendimentos fracassados. Mais: poderás até mesmo fracassar no exercício de tua vontade de mando, sendo apeado do poder ou obrigado a renunciar. Não te deixes abater por isso, pois o espírito sábio e forte sabe discernir as circunstâncias e consegue obedecer àquelas que lhes são desfavoráveis. Como as bactérias, sabe a hora de recuar e cria uma carapaça que o protege contra os ataques mais duros. E sabe esperar o retorno das condições para que se imponha novamente com toda força.

Fica atento, porém, a duas coisas. Primeira: aprende com o fracasso e tira dele lições importantes. Distingue aquelas causas sobre as quais poderias ter atuado e omitiste, cuidando de não repetir a omissão quando retornares ao exercício de mando. Segunda: reflete sobre aquelas outras causas cujo engendramento estava fora de teu conhecimento e de teu alcance, mas que atuaram de maneira decisiva para teu fracasso, cuidando de estares mais atento, de modo a detectá-las e anulá-las antes que possam se levantar contra ti.

Se, no entanto, o fracasso te deixou desmotivado a retomar o exercício da vontade de mando, tens minha total compreensão, mas terei de dizer-te que tens um espírito fraco. É bom que saibas que o poder se alimenta mais dos fracassos que dos êxitos, posto que estes podem levar o espírito a se acomodar enquanto aqueles o desafiam a vencer os obstáculos. Portanto, aprende que o fracasso jamais deve provocar em ti a autocomiseração, mas, ao contrário, há de ser o combustível de tua iracúndia, que, racionalizada em estratégias inteligentes, far-te-á realizar eficazmente a vontade de mando.

2 de fev. de 2007

Passagem pelo Galeão


Em viagens longas, costumo usar o trenó de meu amigo Santa Klaus. É mais seguro, mais privativo e mais confortável. Desta vez, porém, não foi possível tal empréstimo, pois as renas ainda estavam se recuperando da faina natalina. Assim sendo, tive que viajar de avião, coisa de que não gosto. Fiquei algumas horas no aeroporto do Galeão - Antonio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro.

As escadas são o melhor lugar para quem quer fazer uma limpeza nasal usando as unhas. Quase ninguém passa por elas, mas, quando vem gente, consegue-se escutar os passos e dá tempo de disfarçar. Isso cria a deliciosa sensação de estar fazendo algo escondido, na iminência de ser flagrado, e conseguir camuflar.

Não gosto do sorriso profissional dos tripulantes. Mesmo na primeira classe, quando esbanjam simpatia, é tudo muito artificial. É como certas cantoras presas às aulas de canto, à academia, e não aos próprios sentimentos. Há uma polidez forçada e uma gentileza sem alma. O que mais me constrange é o momento pré-decolagem, quando as moças passam olhando para minha região pubiana, verificando se atei o cinto de segurança. Deviam inventar cintos transversais e abolir os abdominais.

9. O Poderoso e seus Conselheiros

Não terás conselheiros trabalhando contigo permanentemente. Por dois simples motivos: o primeiro é que o fato de estarem sempre a teu lado, opinando nas decisões, faz com que seu olhar vá perdendo a criticidade necessária ao bom conselheiro, e já não poderão te falar algo diferente do que já sabes; o segundo é que a vaidade e a cobiça poderão lhes subir à cabeça e usarão a proximidade contigo para se fazerem projetar ou para vender informações a outrem. Então mantém-nos a uma distância segura e só os consulta de vez em quando.

Mas lembra: não deves procurá-los apenas nos momentos de dúvida, quando precisas ouvir palavras de quem está em outro ponto-de-vista, mas também para colher impressões sobre decisões que já tomaste. Se divergirem, não te preocupes, mas guarda esta informação para quando estiveres para tomar decisão semelhante. Doutra vez, é interessante que cries armadilhas aos teus conselheiros. Finge que estás em dúvida sobre algo e pede a opinião de um. Depois, procura outro e põe-te como decidido a executar o que o primeiro disse, mas sem que este saiba. Se houver divergência entre as duas opiniões, escolheste bem teus conselheiros.

Deves guardar deles todas as opiniões dadas, de modo a compores um perfil de cada um. Nunca os reúna num mesmo lugar, pois não devem saber entre si que atuam como teus conselheiros. Se notares qualquer sinal de que tenha sido quebrado este sigilo e dois ou mais deles se descobriram como teus conselheiros, corta relações com todos e busca novos interlocutores.

Ah, sim: nunca deves pagá-los. Nem com dinheiro e muito menos com favores do poder.